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Em Rondônia, mulheres ameaçadas por defender direitos humanos precisam fugir para sobreviver

Em junho de 2016, após mais de cinco meses de buscas, o corpo da ativista Nilce de Souza Magalhães foi achado com as mãos e os pés amarrados a uma pedra, dentro de um lago de Porto Velho.

Nicinha, como era conhecida, era uma liderança na luta por direitos às pessoas atingidas pela construção das hidrelétricas de Jirau e Santo Antônio, em Rondônia.

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Iza Cristina Bello, chamada de Índia, é uma das líderes da ocupação em Nova Mutum

É em meio a esse cenário de intimidação e violência no Estado com maior número de assassinatos de defensores de direitos humanos no país que duas mulheres decidiram fugir de suas casas para escapar da rotina de ameaças.

Lurdilane Gomes da Silva, conhecida como Ludma, e Iza Cristina Bello, chamada de Índia, são líderes da ocupação a casas no distrito de Nova Mutum, criado para receber parte dos desalojados pelas obras da usina de Jirau e trabalhadores da hidrelétrica.

Nova Mutum é um distrito erguido pela Energia Sustentável do Brasil (ESBR) -consórcio que responde pela usina de Jirau– em Porto Velho, com 1.600 casas construídas. Mil delas são da ESBR e 600 foram erguidas pela construtora Camargo Corrêa para receber trabalhadores durante a obra.

Como se formou a ocupação

As casas ocupadas foram justamente as da Camargo Corrêa. A ocupação ocorreu em abril de 2015 por vítimas da cheia do rio Madeira, ocorrida no início de 2014.

Os moradores dizem que a cheia foi impactada diretamente pela construção dos lagos das usinas e cobram a entrega de casas. As usinas refutam essa tese (veja mais abaixo).

As obras da usina acabaram em 2016. “Com a desmobilização da mão de obra, muitas casas estavam vazias e deveriam ser repassadas à prefeitura, para que tivessem destinação social, mas isso nunca foi feito”, afirma João Dutra, líder do Movimento de Atingidos por Barragens (MAB).

O movimento luta para que as casas sejam entregues e afirma que os imóveis estavam sendo vendidos pela construtura, em vez de serem dados às vítimas da enchente. Afirma ainda que a entrega das casas é uma das condicionantes determinadas pelo Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais) para a licença de operação de Jirau.

Ludma, Índia e seus familiares foram vítimas da cheia do rio Madeira. Elas participaram de uma ocupação às casas do distrito, em abril de 2015, e se tornaram líderes.

Rotina de ameaças

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Lurdilane Gomes da Silva, conhecida como Ludma, sofre com ameaças

Após a ocupação se firmar e a luta para receber casas ganhar força, as duas contam que passaram a conviver com as ameaças. A rotina delas mudou e, em janeiro, se viram obrigadas a deixar o local. “Ou a gente sai, ou morre”, afirma Ludma.

Índia conta que resolveu participar da ocupação porque a mãe dela tem uma casa na beira do rio em Jaci Paraná e, em 2014, o local foi alagado pela enchente.

“O bairro dela ficou interditado porque o rio passou. E eu não quis esperar a enchente chegar lá para tirar minha família; foi aí que houve a ocupação de Nova Mutum e nós fomos para lá. Até hoje a casa da minha mãe está lá, na beira do rio, e não vou esperar a enchente para levar o que a gente tem ou até mesmo as nossas vidas”, explica.

Segundo dossiê do Comitê Brasileiro de Defensoras e Defensores de Direitos Humanos, Rondônia é o Estado com mais assassinatos de defensores da causa, com 19 das 66 mortes registradas no Brasil em 2016.

O caso de Ludma e Índia foi citado no relatório do Conselho Nacional de Direitos Humanos, que  visitou o Estado em junho de 2016, e constatou risco às vidas delas.

“As ameaças partem inclusive de um agente da Polícia Civil, o que dificulta a denúncia na região”, diz o relatório, citando semelhança entre as ameaças sofridas por elas e as sofridas por Nicinha antes de sua morte.

“Em ligação anônima, as lideranças foram ameaçadas por estarem em reunião com um procurador da República do Ministério Público Federal em Rondônia. O autor da ligação afirmou que a reunião havia servido para ‘organizar a lista’, fazendo referência a uma possível lista de homicídios a serem executados. Essa reunião ocorreu em 15 de dezembro de 2015, e Nilce [Nicinha] também estava presente. No dia 7 de janeiro, ela foi assassinada”, aponta o relatório.

Delegado aconselha a deixar o local

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O corpo da ativista Nilce Magalhães foi achado com as mãos e os pés amarrados a uma pedra

Pouco antes da visita, ainda no primeiro semestre de 2016, Ludma e Índia tiveram pedido feito pelo MAB para entrada no Programa de Proteção aos Defensores dos Direitos Humanos, mas ainda não tiveram resposta. O relatório reforçou o pedido.

O Ministério dos Direitos Humanos –responsável pelo programa–  informou ao UOL que “não é pública a informação sobre andamentos de inclusão em programas de proteção”. “Tudo corre em sigilo, conforme legislação sobre os programas”, complementou.

Fora do programa de proteção, Ludma conta que deixou a região após receber ameaças de todos os tipos. “Eram ameaças vindas de pessoas em carro, moto, a pé, mensagem de telefone, pessoas que vão em casa”, conta.

A gota d’água, diz, veio da boca de uma autoridade. “O delegado de lá disse que disse que não tinha com dar segurança. No começo, ainda faziam uma ronda, mas depois parou. Então, seguimos o conselho dele de deixar o local”, afirma.

Índia confirma que recebeu a “recomendação” do delegado, mas é mais cautelosa. Diz que prefere não entrar em detalhes sobre as ameaças porque tem a vida em jogo. “O programa e o MPF [Ministério Público Federal] já sabem [quais ameaças]”, disse.

Desde a quinta-feira da semana passada, o UOL pediu, em três oportunidades por e-mail, resposta da Secretaria de Segurança Pública de Rondônia sobre as afirmações das duas ameaçadas, mas não obteve retorno.

Em Novo Mutum, Ludma conta que é proprietária de um bar –e que hoje é administrado por pessoas próximas a ela. “Mas o negócio lá rende quase nada. Não chega a fazer R$ 500 no mês. A cidade está com a economia parada”, afirma.

O dinheiro arrecadado em seu negócio não paga nem sequer os R$ 900 de aluguel de uma casa na periferia de Porto Velho, onde mora com marido, os três filhos e a sogra. Índia paga menos, R$ 500, e mora distante de Ludma. Mesmo assim, elas se falam diariamente.

Ludma recebe benefício por invalidez devido a um problema na coluna. Por segurança, o endereço onde vive hoje não é revelado a ninguém. “Não temos apoio de nada, estamos tirando do bolso. Até deixamos de pagar conta para pagar o aluguel”, diz.

Outro lado

lado

A ESBR informou que tem responsabilidade de mil dos 1.600 imóveis existentes no local e que já houve destinação de imóveis para deslocados pela obra.

“Deste total, 200 foram destinados aos beneficiários do Programa de Remanejamento das Populações Atingidas da Usina Hidrelétrica (UHE) Jirau, que optaram por esta modalidade de remanejamento, 80 tiveram destinação social (doações efetuadas, até o momento, por liberalidade da ESBR) e 720 estão sob administração direta da empresa, sendo a maioria usada como moradia dos empregados da UHE Jirau e de empresas terceiras.”

A empresa questiona a versão de que a construção dos lagos para as usinas foi responsável pela cheia. “As inundações observadas durante a cheia excepcional do rio Madeira ocorrida no início de 2014 foram causadas exclusivamente devido à intensificação da precipitação nas cabeceiras da bacia hidrográfica, principalmente na Bolívia, ultrapassando os mais elevados registros históricos de vazão para o período, não havendo portanto qualquer relação com a Usina Hidrelétrica Jirau”, informou.

A ESBR ainda alegou que esse entendimento foi confirmado pelo Judiciário e pelo ONS (Operador Nacional do Sistema Elétrico), que, segundo a empresa, “destacou que as ‘inundações observadas em vários locais da bacia do rio Madeira, mencionadas amplamente pela mídia, são consequências da cheia excepcional que ocorre nesta região e não foram causadas ou agravadas pela operação dos dois reservatórios [de Jirau e de Santo Antônio]'”.

Sobre as ameaças sofridas por Índia e Ludma, a ESBR disse que “repudia qualquer tipo de violência, assédio ou ameaças e conduz seu negócio, de geração de energia elétrica, com respeito aos direitos humanos, ambientais e com ética em suas relações”.

Sobre as 600 casas ocupadas, a Camargo Corrêa se limitou a dizer que foi “contratada exclusivamente para construir parte das obras da UHE Jirau” e que qualquer medida de compensação social ou ambiental relativa a UHE Jirau “é de responsabilidade da ESBR”.

Já a hidrelétrica de Santo Antônio Energia informou que usina “não possui ações em Nova Mutum” e que a responsabilidade do local é exclusiva da ESBR.

Autor / Fonte: Carlos Madeiro / UOL

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