O prazo que detém o TCU para analisar as aposentadorias de servidores públicos para fins de registro

O julgamento do MS 25116/DF[1] no Supremo Tribunal Federal porá fim à antiga discussão acerca do prazo que detém o Tribunal de Contas da União para declarar a ilegalidade de aposentadorias do servidor público e negar-lhes registro (art. 71, III, CF). Há anos os operadores do Direito aguardavam o deslinde da questão.

Até hoje os Tribunais Superiores não decidiram definitivamente a questão e os milhares de servidores públicos brasileiros vivem sob constante insegurança jurídica, pois a qualquer momento podem ser surpreendidos com a notícia de que suas aposentadorias foram julgadas ilegais pelo TCU, seu registro foi negado e os respectivos pagamentos suspensos ou reduzidos.

Muitos servidores são convocados diariamente a reassumir suas funções nos órgãos concessores do benefício depois de décadas de inatividade, enquanto outros têm suas aposentadorias integrais reduzidas para proporcionais, naqueles casos em que o tempo de contribuição impugnado pelo TCU não fulmina integralmente o direito à aposentadoria.

Ao longo de muitos anos, a jurisprudência dos Tribunais mostrou-se vacilante, ora prestigiando a segurança jurídica dos servidores aposentados há muitos anos, sob o fundamento da proteção da confiança e do art. 54 da Lei 9.784/99[2], ora defendendo a inexistência de limitação temporal à atuação do TCU em virtude da natureza complexa do ato administrativo concessor da aposentadoria. Nesse sentido, alegava-se, o ato que concede a aposentadoria só se considera plenamente praticado quando da manifestação final do TCU, o que impede, a priori, a fluência de qualquer prazo decadencial em desfavor da Corte de Contas[3].

Na prática, esse entendimento significa que o servidor de boa-fé[4], aposentado em 1995, por exemplo, pode ter sua aposentadoria “cancelada” hoje (2010) pelo TCU, com base em alguma ilegalidade verificada na concessão originária há longínquos quinze anos. Como o ato administrativo que concedeu a aposentadoria no passado ainda não se considera integralmente praticado (pende a análise final do TCU), não se admite a contagem de qualquer prazo decadencial. O ato ainda está sendo praticado, mesmo que quinze anos depois!

Se a situação hipotética ilustrada acima já se mostra absurda sob a luz da garantia fundamental à duração razoável do processo administrativo, some-se a isso o fato de que a Súmula Vinculante nº 3[5] autorizou o TCU a “cancelar” a aposentadoria do servidor sem sequer ter de chamá-lo aos autos para exercer sua ampla defesa e usufruir do contraditório. É uma verdadeira surpresa que se faz contra o servidor público, frustrando-lhe a confiança legitimamente estabelecida ao longos dos muitos anos em que o Poder Público tratou como legítima sua condição de aposentado.

Ademais, além das incontáveis razões técnicas de direito administrativo para não se aderir à corrente que entende o ato administrativo concessor de aposentadoria como ato complexo[6], há a perspectiva constitucional da discussão, a qual merece – ou deveria merecer – maior prestígio do Judiciário, em virtude dos nefastos efeitos da teoria na vida dos servidores públicos aposentados.

Enfim, fato é que com o citado julgamento do MS 25116/DF, vê-se luz no fim do túnel da segurança jurídica dos servidores públicos, pois o STF sinaliza com a mitigação do seu equivocado e histórico entendimento da complexidade do ato administrativo concessor de aposentadoria, que sempre autorizou a revisão de aposentadorias ad eternum pelo TCU.

Seguindo os esboços do entendimento veiculado pelo Eminente Ministro Ayres Britto no julgamento MS 24448/DF, a tendência[7] é que o STF decida que, somente durante os cinco anos seguintes à concessão da aposentadoria é que o TCU não estará obrigado a oferecer a ampla defesa e o contraditório ao administrado. Passados esses cinco anos, obriga-se a Corte de Contas a convocar o particular para desfrutar de suas garantias constitucionais antes de cancelar sua aposentadoria.

Em que pese a constatação de que tal entendimento parece ser “menos pior” que aquele historicamente defendido pelo STF, fato é que o correto mesmo seria declarar que o TCU, passados cinco anos da concessão da aposentadoria, simplesmente não pode mais revisar o ato administrativo de concessão de aposentadoria, sob pena de mácula à segurança jurídica e à proteção da confiança[8].

Tecnicamente, aliás, não faz sentido algum modular no tempo o desfrute de garantias constitucionais. É incoerente com o ordenamento (para dizer o mínimo) prever que durante cinco anos o servidor não faz jus às garantias constitucionais previstas no art. 5º, inciso LV da CF, passando a ter tal direito somente a partir da fluência de dado lapso de tempo (cinco anos, no caso). Ou o servidor detém tal garantia fundamental ou não a detém!

Por fim, vale a máxima que diz “dos males, o menor”, pois seria verdadeiramente drástico para a categoria dos servidores públicos se o STF não ventilasse seu posicionamento histórico para afiná-lo com os entendimentos mais hodiernos, todavia, mostra-se nítido que a Corte Superior agiu acanhadamente e mais, sob incorreção técnica, pois poderia sacramentar de vez por todas o entendimento mais acertado, segundo o qual o TCU também está submetido a um prazo de cinco anos para verificar a legalidade de aposentadorias de servidores. Dormientibus non sucurrit jus também há de valer para o TCU!

Ricardo dos Reis Pereira

Notícia veiculada em 02/06/2010 no site do STF informa a suspensão do julgamento do MS 25116/DF.

STJ – RESP 1047524/SC

STF – REXT nº 577873/MG

Se for constatada a má-fé do servidor, deve ser autorizada ao TCU a revisão ad eternum, pois a decadência não pode favorecer o particular mal intencionado.Vide art. 54 da Lei 9.784/99: O direito da Administração de anular os atos administrativos de que decorram efeitos favoráveis para os destinatários decai em cinco anos, contados da data em que foram praticados, salvo comprovada má-fé.

Nos processos perante o tribunal de contas da união asseguram-se o contraditório e a ampla defesa quando da decisão puder resultar anulação ou revogação de ato administrativo que beneficie o interessado, excetuada a apreciação da legalidade do ato de concessão inicial de aposentadoria, reforma e pensão.

Tais razões são expostas com maior autoridade por Rafael de Cás Maffini in Atos Administrativos Sujeitos a Registro pelos Tribunais de Contas e a Decadência da Prerrogativa Anulatória da Administração Pública, disponível emhttp://rmm.com.br/artigos.php.

Nesse sentido, já votaram os Ministros Ayres Britto, Carmem Lúcia, Ricardo Lewandowski e Gilmar Mendes.

Esse entendimento foi defendido apenas pelos Ministros Cezar Peluso e Celso de Mello, os quais deverão ser vencidos, uma vez que só falta o voto do Ministro Joaquim Barbosa e a corrente jurisprudencial antes exposta já conta com 4 votos.

Ricardo dos Reis Pereira

Twitter: @rrpadvocacia

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