Governo faz “pirotecnia” com Dívida Ativa da União, aponta especialista

 

O Congresso Nacional aprovou o substitutivo do projeto de lei que reduz a meta fiscal de 2015. O texto autoriza o governo federal a encerrar 2015 com um déficit recorde de R$ 119,9 bilhões. Enquanto isso, na mira da elevação de receitas no longo prazo está a criação de uma força tarefa na Procuradoria Geral da Fazenda Nacional (PGFN) com o intuito de recuperar R$ 234 bilhões nos próximos três anos em recursos de devedores inscritos na dívida ativa da União.

Para especialista consultado pelo Contas Abertas, no entanto, isso é pura pirotecnia do governo federal. De acordo com Aldemário Araújo Castro, ex-coordenador geral da Dívida Ativa da União e funcionário de carreira da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN), não há como aumentar a arrecadação com base só na ponta do problema.

“O governo federal quer recuperar créditos, porém não faz as mudanças necessárias. De um ano e meio atrás para cá, nada mudou em relação às condições de funcionamento da PGFN ou em relação aos sistemas de informação falhos ou inexistentes para a Dívida Ativa da União”, aponta. Para ele, a situação atual é ainda pior porque se materializou o auge do processo de mobilização da advocacia pública, preocupada com as condições de trabalho e insatisfeita politicamente.

O governo federal vem mirando a Dívida Ativa da União desde as primeiras medidas do ajuste fiscal. Com o objetivo de abrir caminho para o projeto de “vender” parte da dívida ativa da União para aumentar as receitas, o Ministério da Fazenda divulgou lista com os nomes dos 500 maiores devedores, que traz empresas como a Vale e a Petrobras.

Os débitos totais das empresas da lista somam R$ 392,3 bilhões. A divulgação também tem como objetivo pressionar os devedores, ao criar um constrangimento público. A intenção do governo é criar um fundo lastreado em créditos da dívida considerados recuperáveis e vender cotas do fundo em mercado.

Somente os dez primeiros colocados da lista devem aos cofres públicos o equivalente a quase 10% de todas as dívidas desse tipo que o governo tem a receber. A maior devedora é exatamente a Vale, que tem um total de R$ 41,9 bilhões em dívidas com a União. Desse total, no entanto, R$ 32,8 bilhões estão suspensos por decisão judicial e R$ 8,27 bilhões estão inscritos em programas de parcelamento de débitos.

A segunda maior devedora da lista é a Carital Brasil Ltda, anteriormente chamada Parmalat Participações, com um débito total de R$ 24,9 bilhões. A Petrobrás está na terceira colocação, com uma dívida de R$ 15,6 bilhões, toda inscrita em programas de parcelamento de débitos.

Para Aldemário, em teoria, essas empresas na ponta da lista são grandes e poderiam liquidar as dívidas. O que acontece, no entanto, é que os débitos devem estar sendo discutidos legalmente, isto é, a empresa está questionando a legalidade do que o poder público fez.

De acordo com a explicação do especialista esse tipo de dívida é fácil e difícil de se resolver ao mesmo tempo. “É difícil porque há discussões judiciais sobre a legalidade do que está sendo cobrado. Enquanto não houver decisão, fica esse embate, sem que se possa fazer nada. Por outro lado, quando a questão jurídica se resolver, fica fácil, porque não há muito mais o que fazer. Nós já tivemos créditos bilionários parados na PGFN. Quando ficou claro, juridicamente, que aquilo era devido, foram pagos”, explica.

Para ele, como tratam-se de dívidas peculiares, não adianta fazer uma “força tarefa”. “Isso não funciona para casos de grandes empresas com grandes débitos porque ainda não possuem clara definição de que são devedores. Essa postura não vai colar com esses devedores. A força tarefa funcionaria para débitos médios”, aponta.

Entre os dez maiores devedores estão ainda Ramenzoni Indústria de Papel (R$ 9,7 bilhões), Duagro S/A Administração e Participações (R$ 6,6 bilhões), a extinta companhia aérea Vasp (R$ 6,2 bilhões), o banco Bradesco (R$ 4,9 bilhões), a inscrita na lista como falida Varig (R$ 4,7 bilhões), a American Virginia Tabacos (R$ 4,1 bilhões) e a Condor Factoring (R$ 4,1 bilhões).

Demandas da PGFN

Para Aldemário, o que tem ocorrido é descaso com a PGFN. “O poder público tem sonegado meios para a realização deste trabalho, como pessoal, apoio administrativo e sistemas de informática. Assim, o resultado é aquém do possível e do aceitável”, afirma.

Castro ressalta que, se a medida de “venda da dívida” for adotada, perderá sentido manter um órgão que, mesmo com estrutura capenga e sem condições adequadas de produzir, existe e custa ao poder público. Segundo ele, o que o governo federal pretende fazer é chamar a PGFN de ineficiente e transferir a solução para alguém realizar a atividade. “É uma manobra maquiavélica, de legalidade duvidosa”. De acordo com o especialista, não pode se chamar de ineficiente um trabalho que não possui meios para ser realizado.

Ao todo, a Dívida Ativa da União é de R$ 1,5 trilhão em 2015. O valor representa o que os cofres públicos têm a receber, ou seja, o não pagamento de débitos tributários e não tributários dentro dos prazos estabelecidos pela lei.

A lista

A lista dos maiores devedores não é divulgada rotineiramente pelo Ministério da Fazenda. De acordo com a pasta, a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional já informava em seu site dados sobre os inscritos na Dívida Ativa, mas a lista apresentada permite uma visão consolidada dos maiores devedores.

“É projeto dessa gestão promover um incremento da arrecadação de créditos inscritos em Dívida Ativa da União, na busca pela justiça fiscal”, informou o ministério, por meio de nota. O entendimento é que a legislação proíbe a divulgação dos devedores somente até o momento da inscrição em dívida ativa.

A lista de devedores inclui pessoas físicas e jurídicas que têm débitos com a Fazenda Nacional inscritos no cadastro da Dívida Ativa da União, que é composta por todos os créditos tributários ou não tributários depois de esgotado o prazo fixado para pagamento. Segundo o Ministério da Fazenda, todas essas dívidas estão sendo cobradas na Justiça e correspondem a diversos tipos de tributos.

Mil débitos com maior chance de recuperação

Na semana passada, a Procuradoria Geral da Fazenda Nacional encaminhou ao Conselho Nacional de Justiça lista das mil ações de execução fiscal com maior chance de sucesso, entre aquelas movidas contra grandes devedores. Priorizados pela PGFN, esses processos cobram cerca de R$ 25 bilhões, soma dos mil maiores valores com maior probabilidade de recuperação.

“A possibilidade de sucesso da cobrança judicial é grande nesses casos pelo fato de os processos já apresentarem garantia, fiança ou penhora. A lista foi extraída da base de grandes devedores da dívida ativa após extenso trabalho de segmentação e classificação da carteira de créditos a receber pela União”, explica texto no site do Ministério da Fazenda.

A iniciativa da Fazenda Nacional é parte de um trabalho conjunto entre os Poderes Executivo e Judiciário para acelerar processos com alta probabilidade de sucesso. Na última quarta-feira (02), o ministro da Fazenda, Joaquim Levy, o presidente do Supremo Tribunal Federal e do Conselho Nacional de Justiça, ministro Ricardo Lewandowski, e o Procurador-Geral da Fazenda Nacional, Paulo Riscado, discutiram medidas para otimizar a execução fiscal.

Recentemente, o Ministério da Fazenda publicou portaria que criou grupo de trabalho, com representantes da comunidade jurídica e dos poderes Judiciário e Executivo, para elaborar proposta de reforma da Lei de Execuções Fiscais. A PGFN já começou a dar prioridade aos processos de execução fiscal de devedores com maior capacidade de pagamento, mediante a criação de “rating de recuperabilidade de débitos”. O objetivo é promover medidas de cobrança que sejam aderentes à capacidade econômica do contribuinte e também promover o arquivamento de processos judiciais que possuam remota possibilidade de êxito.

As mudanças de legislação em estudo visam a dar prioridade ao ajuizamento de débitos daqueles devedores donos imóveis, veículos e precatórios que possam ser executados. A seleção será feita por meio de diligência eletrônica que reúna informações da declaração de operações imobiliárias, registro nacional de veículos e do sistema de gestão de precatórios.

A racionalização da atividade de cobrança do crédito público, com foco nos devedores com maior perspectiva de recuperação, diminuirá a sobrecarga das varas de execuções fiscais. Segundo levantamento realizado pela PGFN, cerca de 70% do valor total do estoque da Dívida Ativa da União se concentra nas mãos de apenas 0,93% da quantidade de devedores. Tal fato demonstra, por si só, a necessidade de racionalização da atividade de cobrança do crédito público, com foco nos grandes devedores, possibilitando o incremento da arrecadação fiscal.

Contas abertas
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