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Brasileiro é tão mal acostumado que estranha um jornalismo de verdade

Precisou de um gringo vir ao Brasil ensinar jornalismo aos nossos jornalistas - por Henrique Terceiro

Precisou de um gringo vir ao Brasil ensinar jornalismo aos nossos jornalistas – por Henrique Terceiro

Nesta segunda-feira (3) o Roda Viva entrevistou o jornalista e editor-chefe do The Intercept Brasil Glenn Greenwald, para conversar sobre o seu trabalho de apuração das mensagens vazadas da força-tarefa da Lava Jato. Profissionais dos principais veículos de comunicação do Brasil foram convidados para a conversa.

O que poderia ser uma saudável e informativa discussão sobre os temas suscitados pelas mensagens virou uma inquisição paranóica sobre quais seriam as reais motivações de Glenn Greenwald por trás dessas reportagens. Não se passava pela cabeça dos entrevistadores que um jornalista estaria interessado simplesmente em fazer bom jornalismo.

Para o brasileiro, não existe imprensa que não sirva a interesses escusos, passando por cima de princípios éticos da profissão quando conveniente. Redações de jornais não passariam de agência de propaganda, assessoria de imprensa e relações públicas para políticos, empresários e lobistas que pagassem mais. Esta percepção negativa tem fundamento. E é em parte responsável pela crise de credibilidade que o jornalismo brasileiro sofre ultimamente.

Historicamente, num país pouco dado à leitura, o jornalismo brasileiro era sinônimo da Rede Globo. O que William Bonner ou Cid Moreira diziam era a verdade incontestável. Uma influência capaz de eleger e derrubar presidentes, tornando a emissora um bastião indispensável do poder oficial durante e após a Ditadura Militar. Para eleger Collor, a Globo ultrapassou todos os limites éticos quando editou o último debate eleitoral de forma a favorecê-lo nas eleições de 1989.

Os anos 1990 foram tempos tranquilos de impunidade e acobertamentos. O escândalo mais notável da época foi o da Parabólica, justamente quando a Globo vazou acidentalmente algo que não deveria ir ao ar. Enquanto o “engavetador-geral” da República impedia a explosão de qualquer escândalo de corrupção, o Fantástico estava mais preocupado tentando encontrar ETs em Varginha ou Chupa Cabras do que malas de dinheiro em órgãos públicos…

…aí veio a Lava Jato.

Evolução do que o cidadão brasileiro considera o maior problema do Brasil. Dados: Datafolha.

Com a operação Lava Jato, o tema de maior preocupação do brasileiro passou a ser a corrupção. Toda imprensa se viu parte da missão de combate à corrupção liderada por Sérgio Moro, a exemplo do que ocorreu na Mãos Limpas. Só que a lógica de jornalismo de assessoria, sem crítica, sem reflexão, se manteve. Só trocaram os gabinetes de políticos corruptos pela 13ª Vara Federal de Curitiba. “Eles compravam tudo” que a gente publicava, disse a ex-assessora de comunicação de Moro, Christiane Machiavelli. A maior operação anti-corrupção da história pautou a vida política do país, prendeu diversos políticos até então intocáveis, motivou a derrubada de uma presidente, prendeu outro ex-presidente e pavimentou a escalada impensável de um deputado controverso do baixo clero para a presidência da República…

…e aí veio a Vaza Jato.

Pegando absolutamente todo mundo de surpresa o The Intercept Brasil publica uma série de reportagens com potencial de passar a limpo a operação que mudou a história do país. Como a Lava Jato também contou com a participação instrumental da imprensa, essa reavaliação da atuação ética (ou antiética) de Moro e da Força Tarefa da Lava Jato também implica numa reavaliação do papel da imprensa em todo este processo.

Roda Viva e a miséria do nosso jornalismo

A grande imprensa, que por anos tomou para si a bandeira de defesa incontestável à Lava Jato, não pode simplesmente admitir para a sua audiência que errou. É por isso que esses vazamentos incomodam tanto. É por isso que em mais de uma hora de entrevista, os jornalistas da bancada do Roda Viva perderam a oportunidade de trazer ao público um rico e interessante debate sobre o conteúdo das mensagens e ao invés disso dedicaram todo o tempo na fonte e obtenção do material.

Ver Greenwald respondendo às perguntas da bancada com conceitos e princípios básicos que se estudam nos primeiros semestres de jornalismo é de certa forma constrangedor. Parece que uma turma de estagiários faria um trabalho melhor que os repórteres e editores dos principais jornais do país. O estrangeiro teve que explicar didaticamente às “crianças” na sala qual a importância do direito de sigilo à fonte, o que é interesse público, quais critérios se usam para avaliar o interesse público do material e todos os minuciosos métodos para atestar sua autenticidade. Basicamente, todo o trabalho de apuração que os jornais NÃO fizeram quando “compravam tudo” que a assessoria de comunicação da Lava Jato enviava.

O que faltou em profissionalismo, a bancada do Roda Viva compensou com o que eles realmente sabem e são pagos para diariamente fazer: ataques rasteiros para destruir reputações. Tentativas sutis de criminalizar o seu trabalho, associando-o ao hacker Valter Delgatti, preso em Araraquara pela Polícia Federal, foram recorrentes. As associações ao PT, Lula ou PSOL (por conta do seu esposo, o dep. Federal David Miranda) também não faltaram. Jogar um tema dentro da polarização partidária que dividiu o país é uma forma eficaz de desviar seu foco ao que realmente importa: o conteúdo das mensagens, assunto que quase não foi tocado durante todo o programa. O ponto baixo foi quando a editora-executiva do jornal Metrópoles, Lilian Tahan, ironizou todo o trabalho investigativo do colega de profissão: “então é melhor demitir jornalistas e contratar meia dúzia de hackers.”

Em suma, esta tortuosa e inquisitiva entrevista do Roda Viva escancarou o estado de miséria da nossa imprensa. Em toda democracia liberal, a qualidade do jornalismo é um valor que indica a intensidade da democracia de um país. O Brasil é uma jovem democracia, suas instituições ainda tem muito o que aprender. Qualquer ajuda é bem vinda. Mesmo a vinda de um gringo.

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