Modern technology gives us many things.

A vida dos desabrigados pela cheia histórica do Madeira há mais de dois anos

 

Porto Velho, RO – Há mais de dois anos o Estado de Rondônia vivenciou uma de suas piores catástrofes: a cheia histórica do Rio Madeira cuja causa – ainda discutida – passa por teorias que envolvem a instalação das usinas de Jirau e Santo Antônio a fenômenos naturais não esclarecidos.

A reportagem do jornal eletrônico Rondônia Dinâmica esteva no Abrigo Único em maio de 2014, perímetro improvisado pelo Governo do Estado dentro do espaço do Parque dos Tanques, com a finalidade de acolher as famílias desabrigadas pela enchente. E ao contrário do que fora exposto à época pela propaganda institucional do Executivo Estadual, que publicou matéria intitulada ‘Abrigo no Parque de Exposições tem histórias de otimismo e resistência’, as vidas desses cidadãos foram reviradas de maneira extremamente negativa.

Leia mais em

(09/04/2014) Abrigo no Parque de Exposições tem histórias de otimismo e resistência

(20/05/2014) O cotidiano dos desabrigados pela cheia do Madeira no Abrigo Único

Nesta semana, a redação percorreu gabinetes de autoridades tanto do Município de Porto Velho quanto do Estado no intuito de saber o que de fato ocorreu com a população desalojada pela invasão das águas. Desabrigados que, com muito custo e enfrentando toda a sorte de burocracia, conseguiram se instalar em novas residências também prestaram depoimentos relatando o sofrimento vivenciado.


Coordenadora disse que Estado auxiliou desabrigados / Foto: Gregory Rodriguez (Rondônia Dinâmica)

Zilene Rabelo, coordenadora de Ações Emergenciais da Superintendência Estadual de Assuntos Estratégicos (SEAE), relatou que, em 2014 durante a cheia, as famílias que foram desabrigadas tiveram todo o apoio do Estado e dos demais órgãos também ligados ao município. A coordenadora disse que essas famílias foram colocadas em locais especiais até que tudo voltou à normalidade em alguns casos, inclusive com situações de retorno aos antigos lares. Outras, sem condições de retornar às suas residências, buscaram alugar moradias ou se alojaram em casas de familiares.

O ‘paraíso’ governamental

“Para isso o Estado criou um benefício para auxiliá-los. Não é o Auxílio Aluguel, é um benefício assistencial chamado Auxílio Social, que o Estado criou para poder apoiar essas famílias em função desse grande evento que ocorreu em nosso Estado”, apontou.

Foram criados dois benefícios através da ação do Executivo Estadual: o Vida Nova, que destinou R$ 1 mil a mais de seis mil pessoas com o objetivo de custear pequenos reparos em suas residências e o já mencionado Auxílio Social, pago em seis prestações de R$ 500,00 e prorrogado para algumas famílias pelo mesmo período.

Benefício a todos os desabrigados

Zilene destacou que todas as famílias receberam benefícios do Estado. Entretanto, os cidadãos desalojados durante a enchente e que hoje ocupam alguma moradia no residencial Orgulho do Madeira tiveram de seguir à risca alguns critérios específicos e enfrentar a burocracia. O governo separou mil unidades para destinar aos desabrigados, segundo a coordenadora.

Por trata-se de situação de calamidade pública, os critérios estabelecido pelo Ministério das Cidades para a aquisição das casas foi suavizado em relação aos que perderam suas residências por conta da força do Madeira.

O Abrigo Único no Parque dos Tanques

Questionada sobre o paraíso desenhado pelo governo em relação às dependências do Abrigo Único, Rabelo enfatizou:

“O calor para nós é normal. Agora, as medias para melhorar a situação dos desabrigados o governou tomou. O Corpo de Bombeiros trabalhou muito, forneceu inclusive ventiladores para amenizar o mormaço. As barracas foram colocadas para que as pessoas pudessem dormir. A área de convivência era ao ar livre. Havia locais arejados, mas atingidos pelo calor que convivemos em nossas casas, em nossos quintais”.


Diretor da Defesa Civil não descarta nova enchente / Foto: Gregory Rodriguez (Rondônia Dinâmica)

O papel da Defesa Civil Estadual

O capitão Artur Luiz Santos Dias, diretor da Defesa Civil Estadual, informou que existe sim a possibilidade de haver uma nova enchente tão ou mais colossal quanto a de 2014. Por outro lado, por conta experiência vivenciada pelos profissionais, o militar acredita que tanto a Defesa Civil quanto a própria população estejam preparados para a possível catástrofe.

“Uma situação como essa pode ocorrer sim, até porque é a natureza quem manda. Os órgãos de monitoramento, que assessoram os órgãos públicos, sempre acompanham a situação e estão em busca de informações antecipadas que possam revelar se um novo desastre está na iminência de ocorrer”, anotou Dias.


Plano de contingência evitou maiores danos no ano passado / Foto: Gregory Rodriguez (Rondônia Dinâmica)

Defesa Civil evitou surgimento de mais desabrigados em 2015

Vicente Bessa Júnior, secretário municipal de Programas Especiais e Defesa Civil (SEMPEDEC), disse que a atuação da pasta foi imprescindível para que não houvesse novos desabrigados em 2015, quando Rondônia enfrentou nova cheia.

“Trabalhamos com assistência, socorro e prevenção. Nosso sistema de saúde é caótico, por isso temos de evitar que as tragédias ocorram. Em 2015, por exemplo, tivemos a quinta maior enchente e ninguém viu a cheia na cidade. Por quê? Porque montamos um plano de contingência com o auxílio de outros órgãos”, pontuou.

A população que estava em áreas consideradas de risco foi retirada em tempo hábil pela Defesa Civil.

Sem lenço, sem documento e… sem casa

Bessa Júnior também disse que, apesar do risco, muitos moradores desalojados voltaram às seus lares antigos e que alguns desabrigados não receberam moradias porque sequer têm documentos pessoais.

“Tem muita gente que voltou à área de risco porque não tem onde morar. Faltam as famílias finalizarem os cadastros para obter novas moradias. Não tem como entregar um imóvel legalizado com escritura para uma pessoa que não tem sequer documentos. Já foram entregues 640 residências e há 500 processos em andamento. Tudo isso relacionado somente aos desabrigados pela enchente”, concluiu.


Elcimar Aragão de Souza sofreu no Abrigo Único / Foto: Gregory Rodriguez (Rondônia Dinâmica)

O inferno astral do cidadão comum

No Residencial Orgulho do Madeira, localizado na Capital no Bairro Jardim Santana, cidadãos comuns relataram como enfrentaram a burocracia para obter novas moradias e os perrengues que passaram na condição de desabrigados

Elcimar Aragão de Souza, barqueiro desempregado de 38 anos, é um deles.

Souza contou que até chegar à sua nova moradia no Orgulho do Madeira teve de peregrinar por muitos lugares, passando por igrejas, alojado em uma escola e chegando finalmente ao Abrigo Único, rechaçando tudo o que foi dito pelo Governo de Rondônia a respeito do local.

“Moramos lá [Abrigo Único] por quatro meses. Era muito ruim. O calor era horrível, insuportável. Não ficávamos dentro das barracas, pois havia muitos bichos, moscas e tudo o mais. Essas coisas eram muito difíceis”, relatou.

Aragão disse que se sentiu enganado pelo governo porque, segundo experiência própria, não houve conforto algum durante sua estadia no espaço improvisado para abrigar os desalojados no Parque dos Tanques.

“As pessoas sofreram bastante. Havia muita mulher grávida ou com filho recém-nascido lá. Não tinha sombra, nada. Era tudo aberto. Tínhamos de ficar na fila para comer debaixo do sol. Ave Maria, aquilo foi um sofrimento!”, indignou-se.

Souza e sua esposa perderam todos os bens materiais na enchente e tiveram de esperar até que, finalmente este ano, conseguiram a tão sonhada moradia.


Aposentado pede vigilância 24h no Orgulho do Madeira / Foto: Gregory Rodriguez (Rondônia Dinâmica)

O aposentado Olivar Quadros, de 64 anos, também se inscreveu a fim de conseguir um novo local para morar após a enchente que o baniu de sua própria residência. Atualmente mais aliviado, Quadros tem novos perrengues: está preocupado com a falta de segurança no local e diz que lá é infestado de marginais.

“Fomos despejados pela Defesa Civil. Assinamos documento, nos tiraram e não nos ofereceram local para morar de imediato. O governo deu um auxílio, mas não era contínuo. Ficamos num local alugado por uns tempos enquanto recebemos a mixaria do Estado. E nem recebemos tudo porque acabamos largando de mão, tamanho descaso”, salientou.

E foi além:

“Tive alguns problemas aqui dentro, porque em tudo que se faz existe o lado bom e o mau. Aqui tem roubo, droga, boca de fumo e tudo o mais. O policiamento está correto, mas não é o suficiente. Qualquer chuva que dá a energia vai embora. Há muitos maus elementos aqui”, complementou.


Maria Góes perdeu tudo na enchente histórica / Foto: Gregory Rodriguez (Rondônia Dinâmica)

A também aposentada Maria Aulenir Góes de Souza, aos 69 anos agradece a Deus por ter obtido uma casa, e não apartamento, mas revelou a tristeza em seu semblante enquanto relatava à reportagem o que vivenciou até chegar ao novo lar.

“Tive de ser paciente para ter essa casa. Foi difícil”, disse.

Assim como os demais que vivenciaram a tragédia, Maria perdeu tudo na enchente de 2014.

“Não fui ao Abrigo Único, fiquei no quarto da minha filha. O poder público só me prometeu a casa. Me cadastrei e consegui, foi simples. A enchente levou minha casa antiga para o fundo do rio. Morei lá durante três anos. Mas estou agradecida por estar dentro desta nova moradia. Deus me deu. Pedi muito, orei muito. Vivo aqui desde maio deste ano”, finalizou.

Texto.: Rondônia Dinâmica
Informações e fotos.: Gregory Rodriguez

você pode gostar também
Deixe uma resposta

Seu endereço de email não será publicado.